Divagando

INFÂNCIA, DIVERSIDADE E SENSATEZ

INFÂNCIA, DIVERSIDADE E SENSATEZ

Por viny

TEMPO DE LEITURA: 7 MINUTOS

E dentro deste terreno pantanoso, onde nascem as muitas opiniões (muitas delas divergentes e apoiadas no medo do desconhecido), rotineiramente ouvimos que determinados assuntos, temas e discussões são para adultos, jovens e até adolescentes, mas não para as crianças. E este discurso é muito utilizado quando o assunto é racismo, questões relacionadas a gênero, sexualidade e machismo, por exemplo. Sempre vai aparecer alguém para defender que estes assuntos são sérios e profundos demais para serem dialogados com crianças muito pequenas.

Diante desta situação que muitos chamam de delicada e complexa, eu gostaria de compartilhar algumas informações sobre a “natureza” humana.

Aos 6 meses de idade, uma criança já é capaz de reconhecer o gênero e a etnia de uma pessoa (isso mesmo, com apenas 180 dias de vida). Aos 2,5 anos de vida, elas já estão atribuindo certos comportamentos a determinados grupos sociais (coisa de meninos e de meninas, por exemplo), e aos 3 aninhos, elas já buscam interagir com grupos que elas já identificam possuir maior privilégio social.

E não para por aí. Aos 4 anos, mesmo que esta criança JAMAIS tenha convivido com familiares que tenham feito algum comentário racista ou machista, elas tenderão a considerar mais bonitas e comportadas as pessoas brancas (veja o teste das bonecas), e tenderão a considerar mais importante e interessantes, as figuras masculinas que elas conhecem. Ou seja, a partir dos 6 meses de vida, um ser humano já é capaz de reconhecer sinais e características do mundo a sua volta, ou seja, um mundo racista e machista que não movimenta em um sentido contrário a isso, só é capaz de produzir crianças (e consequentemente adultos) com a sua imagem e semelhança.

Menina negra em frente a um muro pixado, ilustrando o tema do artigo: infância, diversidade e responsabilidade
Foto de Julia Volk do Pexels

Pois bem. Após estas informações eu pergunto a vocês: “Será mesmo que devemos aguardar até a adolescência ou fase adulta, para iniciarmos tais conversas e ensinamentos para as pessoas?”. Eu como psicanalista e especialista em Educação, tenho convicção de que não. E digo mais. Não estou sozinho nessa!

Nelson Mandela, em sua autobiografia “O longo caminho para a liberdade”, publicado pela primeira vez em 1994, disse que “ninguém nasce odiando o outro pela cor da pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar”.

Seguindo esta sábia reflexão que este grande líder nos deixou, eu faço agora uma provocação. Você que é responsável por alguma criança, está fazendo a sua parte? Já assumiu o seu papel perante a educação deste pequenino ser que você se responsabiliza? Ou você está delegando a sua responsabilidade para a escola, professores e coleguinhas?

Em meus anos de professor e a frente da coordenação de escola e como consultor e formador de gestores escolar, o que eu mais presenciava era a posição intransigente e conservadora de responsáveis que se recusavam a sair de suas bolhas e exigiam uma orientação escolar que estivesse de acordo com os seus valores.

Não podemos esquecer que a finalidade da escola é formar pessoas humanizadas, construir uma mentalidade cidadã plena e ampla e estabelecer uma jornada de crescimento intelectual e pessoal que siga na direção de um mundo mais justo, harmonioso e equânime. E para que isso ocorra, é extremamente necessário que exista um diálogo saudável e uma proximidade construtiva com as famílias e as crianças. Sendo assim, o papel e a responsabilidade da família é crucial neste processo.

Pensando nisso, deixo abaixo seis dicas simples para pensarmos nas relações entre infância, diversidade e responsabilidade parental/educacional.

  1. O diálogo com empatia: Quando sua criança disser algo que te surpreenda, tente entender de onde vem tal comentário. Não a repreenda imediatamente. Ouça, entenda de onde ela absorveu tal perspectiva, analise o contexto ao qual ela está aplicando a sua fala e só depois inicie a sua conversa com ela. Nada de repreendê-la simplesmente por repreender. Isso pode soar desrespeitoso, ser agressivo e intimidador para ela e o resultado esperado não será atingido.
  2. O valor da diferença: Se por acaso a criança manifestar algum comentário sobre a inferioridade de outra pessoa por ela ser mulher, negra ou por sua orientação sexual, por exemplo , aponte coisas que elas possuem de semelhante. Fale sobre a importância da diferença e da sua riqueza. A inferioridade ou a pobreza estão na falta de diversidade. Você pode dizer que ambas gostam de futebol, que moram na mesma região, que também gostam de sorvete e muitas outras coisas. Encontre pontos de semelhança entre elas, mesmo que a diferença seja evidente e reforce que até aquelas pessoas que ela considera parecida com ela, possuem diferenças (e faça a mesma coisa apontando as distinções entre elas). Isso fará a criança refletir melhor sobre tudo e será mais fácil ela abraçar as diferenças depois.
  3. O poder das histórias: Se a criança estiver com idade entre 6 e 11 anos, histórias biográficas já fazem todo o sentido e são inspiradoras para elas. Se você contar a história de grandes personalidades para estas crianças e também contar os problemas que elas enfrentaram e enfrentam por conta de suas identidades, a sensibilidade e o olhar crítico desta criança se ampliará. Não apresente a Malala apenas como uma ativista que luta pelos Direitos Humanos e pelo acesso das mulheres aos estudos. Conte que ela foi machucada por tentar estudar. Relatar toda a trajetória de dor e dificuldades que ela passou por simplesmente ser mulher, fará toda a diferença. Mandela não foi apenas um grande estadista que combateu o racismo. Ele passou 27 anos na prisão. Relate detalhes sobre o apartheid e o sofrimento dele e dos sul africanos diante de todo aquele sistema opressor. Quando dialogar sobre tecnologia e computadores com elas, conte a história de Alan Turing e a sua fabulosa contribuição para o término da Segunda Guerra Mundial, mas sem deixar de citar que por conta da sua homossexualidade, ele foi preso e humilhado. Aponte as desumanizações e injustiças que estas grandes figuras enfrentaram. Isso tornará a sua criança muito mais crítica e humanizada;
  4. A representatividade: Quando estiver assistindo televisão, algum vídeo ou filme, faça comentários sobre a ausência de negros e mulheres em determinados papéis, ou aponte a posição de inferioridade que eles, e outros grupos estão como a população indígena, LGBT, deficiente estão ocupando, aparecendo ou sendo representados. Em seguida, provoque-as a pensar e a olhar para estas “naturalizações sociais” de forma crítica.
  5. A diversidade nas relações: Crie situações para que a sua criança se relacione com outras que sejam diferentes dela. Ter contato com crianças de outro gênero, de outros grupos raciais, de outras orientações sexuais e que possuam deficiência física ou intelectual, é um exercício poderoso para que elas aprendam a naturalizar e respeitar as diferenças.
  6. Seja exemplo: De nada adianta você ter um discurso em prol da diversidade e contra o preconceito se na prática a sua criança só te vê se relacionando com pessoas semelhantes a você. É necessário que você mostre pra ela com atitudes, que aquilo que você prega, você vive. Como está o seu círculo de amigos, colegas e conhecidos? Ele é diverso ou educa a sua criança que a vida em pequenas bolhas é o caminho? Que tal iniciar esta jornada por você?

Não podemos esperar. Não é possível delegar ao outro aquilo que é o nosso compromisso. E se desejamos um mundo melhor para nós e para nossas crianças, precisamos iniciar agora assumindo as nossas responsabilidades.

Eu, como pai e educador, sei quais são as minhas. E vocês, já refletiram e assumiram as suas?


Divagando é uma coluna voltada a criar pontes entre o cotidiano e o universo corporativo, criando diálogos e suscitando reflexões.

Viny Belizario é sócio da Diva Inclusive Solutions, pesquisador, educador, formador de gestores, analista comportamental, psicanalista em formação e consultor em diversidade, equidade e inclusão há quase 20 anos. Raça, gênero, psicologia e pedagogia corporativa são suas áreas de pesquisa e interesse, onde apoia suas práticas para a transformação da cultura organizacional.