Divagando

ESCOLA, GÊNERO, SEXUALIDADE E REPRESSÃO

ESCOLA, GÊNERO, SEXUALIDADE E REPRESSÃO

Por viny

Quando começamos a pensar e desenvolver esta temporada, foi impossível não me recordar quando em 2013, assumi a disciplina de Sociologia em uma Escola Técnica (Etec) do Centro Paula Souza em São Paulo. Assim que assumi a cadeira da disciplina e me dei conta do conteúdo programático do ano letivo da escola, decidi inserir e trabalhar a questão de gênero com as turmas do primeiro ano do ensino médio. A decisão baseou-se não somente na minha convicção de que algo mais efetivo precisava ser desenvolvido dentro das escolas de modo geral, mas justamente por observar o quanto as relações entre homens e mulheres naquele espaço reproduziam o que ocorria em toda sociedade.

Os resultados foram mais que surpreendentes para mim, que diante da ingenuidade e do pouco conhecimento que eu possuía sobre aquelas questões até aquele momento (por mais que considerasse o contrário), acreditava que o ambiente escolar, que se dizia “respeitoso e harmonioso”, jamais se tornaria um “campo de batalha” onde manifestações machistas e misóginas declaradas em salas de aula e redes sociais eram frequentes e corriqueiras. Isso sem contar que muitos professores e professoras se posicionaram contra os cartazes que foram espalhados pelos corredores da escola durante as campanhas e alunos se sentiram ofendidos com os dizeres dos trabalhos afixados pelo colégio.

Todos esses fatos deixaram evidente a necessidade de discutir questões de gênero no ambiente escolar, o qual mostrava-se totalmente despreparado e resistente. Quanto a mim, muitas vezes o sentimento era de total isolamento. Em alguns momentos até fui coagido. Mas a grande questão era a opressão que o ambiente escolar exercia sobre as meninas (questão que se tornou, na época, meu objeto de pesquisa) e, sobretudo, sobre a população LGBT. Pois se não estamos preparados para lidar com as questões peculiares que envolvem o universo de homens e mulheres heterossexuais, quem dirá dialogar e refletir sobre as necessidades de crianças e jovens LGBT.

Em minha pesquisa, centrada no público feminino, acabei identificando cinco pontos importantes que as garotas trouxeram em suas falas (ao responder o questionário que eu criei para orientar o estudo):

  • Medo
  • Privação
  • Repressão sexual
  • Normatização Estética
  • Ignorância e Alienação

O “medo”: o simples caminhar pelas ruas pode ser algo aterrorizante para meninas. E, segundo as entrevistadas, esse temor é incompreendido pelos homens e reproduzido dentro da escola, onde várias formas de assédio são frequentes.

A “privação”: as meninas não poder brincar e ser livres da mesma forma que os meninos na escola e outros espaços de sociabilidade.

A “repressão sexual”: as meninas têm dificuldade para se expressar suas identidades por sofrerem constantes interferências, orientações e outras formas de controle das pessoas sobre suas vidas, algo que é muito mais ameno no caso dos garotos.

A “normatização estética”: meninas sofrem com a pressão para manterem-se dentro dos padrões estabelecidos, no que diz respeito ao corpo, ao uso de indumentárias e adornos. Algo que os homens não vivem na mesma intensidade.

A “ignorância e a alienação”: relatos apontam o contato com o feminismo como um marcador de águas, algo que abre os olhos, mas também causa dor e sofrimento. Talvez fosse melhor não saber sobre todas essas desvantagens, já que a desigualdade é um fato.

Estes cinco pontos foram trazidos por garotas de 14 e 15 anos, que denunciavam uma estrutura machista e desigual que também estava estabelecida nas práticas, métodos e relações da escola que frequentavam. Em nenhum momento da minha pesquisa eu conduzi a discussão para a população LGBT, pois a proposta ficaria muito ampla e não seria possível dar conta de toda a discussão em um período tão curto de pesquisa, mas é possível refletirmos e estabelecermos analogias com este grupo.

Qual pessoa pertencente ao grupo LGBT que jamais sentiu medo por transitar pelas ruas? Se considerarmos que o Brasil é o país que mais executa pessoas deste grupo no mundo, seria uma insanidade não sentir um mínimo de temor. Sentirem-se privadas de acesso, oportunidades, liberdade entre outras coisas, também faz parte do cotidiano desta população.

Se as mulheres já sofrem com a repressão sexual, quem dirá os integrantes deste grupo, que são com frequência sexualizados e têm suas vidas privadas e afetivas especuladas por todo mundo? Quanto a normatização estética, nem se fale. E temos a maldita ou bendita passabilidade, para pressionar e tornar a vida de muitas destas pessoas ainda mais difícil.

Diante de todas estas pressões, quem não gostaria de se valer da ignorância e da alienação para fugir de todas as dores físicas e emocionais que tantas injustiças e desigualdades proporcionam? Infelizmente, essa não é uma opção para aqueles que sofrem com a opressão cotidiana, dentro e fora das escolas, e que, na maioria das vezes, surgem disfarçadas de piadas e brincadeiras que acabam sendo permitidas e muitas vezes, até mesmo feitas por integrantes do corpo docente, direção e corpo administrativo.

fundo rosa com menina negra sentada com as mãos no queixo e olhar triste
Foto de RF._. studio

A escola, muitas vezes acaba sendo um ambiente tão nocivo quanto a própria sociedade. O ambiente escolar cria, reproduz e normatiza afirmações, comentários preconceituosos e efetiva a hierarquia social. Por isso é tão necessário pensarmos o ambiente escolar de forma diferente. É de suma importância observarmos a escola como um ambiente que não está de acordo, e muito menos favorece o bom relacionamento entre as pessoas e que impede e coage pessoas e grupos de uma maneira que muitos consideram natural. Considerar a instituição escolar um ambiente pouco propício ao pleno desenvolvimento dos indivíduos que ali se encontram é o primeiro passo para rompermos com o silêncio que a naturalização das desigualdades nos impõe.

A minha pesquisa suscita a reflexão sobre a sociedade e o seu sistema de privilégios para os homens e o quanto isso, no final das contas, é nocivo às mulheres e às pessoas LGBT. Vale ressaltar que estas últimas possuem a maior evasão e sofrem as mais violentas perseguições. Diante deste quadro nefasto, temos um contingente imenso de talentos que a cada ano se perde, e aquelas pessoas que a muito custo conseguem superar as expectativas, no final das contas, acabam em desvantagem. Mesmo quando obtêm “sucesso” em suas vidas, restam os traumas e a realidade opressora que se expande ainda mais na vida adulta.

Desta forma, tendo como objetivo combater este mal secular que nos assola, e buscando criar um ambiente menos insalubre e propício para que o melhor dos seres humanos aflore, é que apresentamos as reflexões e relatos deste texto. Deixo aqui o link do meu artigo completo, para quem se interessar.

E para concluirmos, convidamos você e todas as pessoas a pensarem uma escola melhor, o que consequentemente refletiria em toda a sociedade. Mas para que isso ocorra, não podemos de forma alguma negar que a desigualdade de gênero e de orientação sexual promovidas pelo machismo estão no cerne do debate sobre a escola do futuro. Se não levarmos isso em consideração, as melhorias e mudanças que tanto desejamos jamais virão.


Divagando é uma coluna voltada a criar pontes entre o cotidiano e o universo corporativo, criando diálogos e suscitando reflexões.

Viny Belizario é sócio da Diva Inclusive Solutions, pesquisador, educador, formador de gestores, analista comportamental, psicanalista em formação e consultor em diversidade, equidade e inclusão há quase 20 anos. Raça, gênero, psicologia e pedagogia corporativa são suas áreas de pesquisa e interesse, onde apoia suas práticas para a transformação da cultura organizacional.