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O Projeto de Lei, de autoria da deputada estadual Marta Costa (PSD) e com emenda da deputada Janaína Paschoal (PSL), quer proibir a publicidade, através de qualquer veículo de comunicação e mídia, de material que contenha alusão a diversidade sexual e de gênero a partir da presença ou referência a membros da comunidade LGBT+. A deputada alega que “o uso indiscriminado deste tipo de divulgação traria real desconforto emocional a inúmeras famílias, além de estabelecer prática não adequada a crianças”. A deputada Érica Malunguinho foi uma das responsáveis por iniciar uma articulação para barrar o projeto. Desde então, entidades, movimentos sociais, organizações, agências e profissionais da publicidade vêm aderindo ao movimento.
Apesar de parecer ingênua e atrasada, a proposta representa uma grande ameaça. Não apenas à comunidade LGBT+, tampouco só à população do Estado de São Paulo. O seu teor de censura e perseguição pode inspirar outras, banalizando ações parlamentares inconstitucionais e trazendo à tona debates que, até o momento, pareciam superados.
Preparei aqui alguns pontos que considero essenciais para compreender os perigos de um projeto como esse.
- É um projeto abertamente homofóbico e, portanto, inconstitucional.
- Institucionaliza a censura, criando mecanismos para barrar a presença da comunidade LGBT+ no mercado de narrativas.Isso vai na contramão do que vem sendo discutido pelas entidades, organizações, comunidades e movimentos sociais mobilizados em prol da inclusão e da representatividade.
- Abre precedentes para distorcer e manipular o conceito de publicidade, o que poderia expandir sua aplicação de forma desordenada para o âmbito das redes sociais, tolhendo o direito ao debate e incitando a perseguição, a LGBTfobia e a violência.
- A sua aprovação trará impacto para todos os estados brasileiros, porque, apesar de ser um projeto estadual, sendo São Paulo a maior cidade, o maior parlamento e um dos vértices do mercado audiovisual e publicitário da América Latina, boa parte das narrativas de circulação nacional são realizadas em São Paulo.
- Abre precedente para outras formas de perseguição. O simples fato de ser tramitado, dada a inconstitucionalidade do projeto, pode servir de justificativa e exemplo para outros projetos dedicados à invisibilização e violência contra grupos minorizados.
- A LGBTfobia afeta milhares de crianças e adolescentes. Institucionalizá-la significa estimular uma consciência coletiva que, seguramente, violentará a existência de crianças e adolescentes cujas condições de gênero fogem ao espectro da binariedade e da heteronormatividade, seja na família, na escola e nas convivências sociais, empurrando-as para o topo dos índices de suicídio e violência. Se a discussão é sobre proteção, quem protege as crianças LGBTs?
- A masculinidade tóxica e objetificação dos corpos femininos são questões muito presentes em diversas campanhas publicitárias. E causam muito dano à sociedade e às crianças. Mas nem por isso são alvo de censura, nem são pauta das alas conservadoras. Se a questão é discutir regulação das narrativas publicitárias, é fundamental entendermos que o debate deve partir de problemas identificados no campo das ciências humanas. Como o impacto da falta de representatividade na saúde de pessoas negras ou indígenas, a privacidade de dados e a política de anúncios, o viés dos algoritmos de recomendação, ética nos anúncios digitais para crianças, diversidade e infância etc.
- Iniciar esse debate com desinformação, partindo de preconceitos individuais, mostra que no nosso país, hoje, há um abismo entre a política e a ciência/academia.
- Não se pode acolher o que não se conhece. Parte essencial do direito a uma vida digna é a representatividade. A presença da diversidade sexual e de gênero na publicidade é essencial à construção de uma sociedade saudável, democrática e pautada em justiça social.
- O desequilíbrio de histórias – que é a dimensão narrativa da desigualdade – é um problema muito sério e que, segundo nossas pesquisas na Diva Inclusive Solutions, deve estar na base de programas de DE&I. O PL504 é um combustível ao desequilíbrio de histórias e à desigualdade.
A discussão sobre diversidade sexual e de gênero precisa evoluir. E não retroceder. Precisamos ampliar o olhar das crianças e da sociedade acerca dos padrões de gênero e identidade, para que saibam reconhecer o valor de um mundo plural.
Estamos no século XXI. Uma era de muitos problemas e muita desigualdade. É verdade. Mas a experiência do passado pesa sobre nós. E o caminho do acolhimento tem se provado muito mais eficaz que o da violência e do preconceito.
Um dos principais caminhos para sustentar a desigualdade é a manutenção do que chamamos de desequilíbrio de histórias: invisibilizar, minorizar, silenciar as histórias que divergem da norma que sustenta os privilégios de uma minoria. A PL504/2020 é mais que uma simples manutenção. É o começo de uma muralha.
Não podemos aceitar.
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Break the bubble.
Diva. United by difference.
Marcelo Téo é co-fundador da Diva Inclusive Solutions, pesquisador, educador, produtor de conteúdo, músico e pai. Suas pesquisas dentro e fora do âmbito acadêmico estão voltadas para o consumo narrativo e o papel da diversidade de histórias no desenvolvimento da empatia.