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O mês da Visibilidade Trans é comemorado no dia 29 de janeiro. A data foi criada em 2004 pelo Ministério da Saúde após a divulgação da campanha “Travesti e Respeito”, que tinha como objetivo criar ações destinadas a desestigmatizar essa comunidade tão diversa e que sofre bastante com preconceito e violência. Pensando nisso, nós da Diva preparamos um combo de dicas e informações destinadas a facilitar a compreensão em torno das pautas e desafios colocados pela comunidade trans. Um mapa, um ponto de partida para você iniciar a sua jornada de escuta e acolhimento das diferenças.
Abaixo o CIStema!
Vivemos num sistema baseado na cisgeneridade e na binariedade. Ou seja, um CIStema vigilante e repressor no que diz respeito ao gênero. Ao longo da história do Ocidente – que é diferente das práticas de muitos povos originários – pessoas cuja existência extrapolou as definições de gênero binárias foram queimadas, mortas, violentadas, encarceradas, excluídas, rejeitadas. Nas últimas décadas, a comunidade trans mostrou a sua força, tomando a frente em diversas conquistas dentro do universo LGBT+. E, no Brasil, apesar do atual governo federal, a causa trans vem ocupando espaços importantes.
Você sabe o que é passabilidade?
Passabilidade é a capacidade de uma pessoa ser considerada membro de um grupo ou categoria identitária diferente da sua. Pode incluir identidade racial, etnia, classe, orientação sexual, gênero, religião, idade e/ou status de incapacidade. Pessoas negras de pele mais clara, pessoas com deficiências mais leves ou pessoas transgêneres que alcançam uma aparência mais afinada com os padrões binários tendem a sofrer menos preconceito.
Mas isso só reforça o poder na normatividade, que classifica quem, dentro das comunidades minorizadas, pode “passar por” branque, homem cis, mulher cis etc.
A passabilidade para pessoas trans vai muitas vezes contra a própria essência do processo de transição de gênero, que pode estar fora da binariedade. A tragédia recente com Lorena Muniz, uma mulher trans que morreu ao ser abandonada no interior de uma clínica durante um incêndio, é, em certa medida, um fruto indireto desse problema.
A mídia e o mercado tendem a preferir pessoas trans com passabilidade. É muito mais comum vermos pessoas transgêneras com passabilidade ocupando espaços no mercado e nas instituições. Isso impede que a sociedade perceba, pouco a pouco, que a beleza pode e deve transcender os modelos binários.
Há beleza na ambiguidade, na androginia, na coragem de pessoas que não desistem de buscar e compreender suas identidades. Eduque seu olhar. Procure a beleza fora da bolha.
Comunidade trans e o desequilíbrio de histórias
O desequilíbrio de histórias é um fenômeno de abrangência mundial, que afeta a todes. Consiste no excesso de narrativas representando e identificando positivamente uma parte da população (em geral, elite e classe média brancas e cisgêneras, com ênfase nos homens). Em contraste, outras parcelas sofrem com a ausência ou escassez de histórias (negros, indígenas, pessoas com deficiência, mulheres/mães, imigrantes, LGBT+ etc). O resultado é a distorção da imagem do outro, reforçando estereótipos e dificultando um olhar empático em direção aos problemas das populações que se encontram no polo negativo da equação.
A população trans é profundamente afetada por esse problema. A dificuldade em ocupar espaços públicos, vagas corporativas e instituições se dá pela presença reduzida de pessoas trans protagonizando histórias, ocupando espaços de produção e criação de narrativas, estimulando percepções menos estereotipadas acerca da transgeneridade.
Transfake
Transfake é o termo usado quando atores cisgêneros interpretarem personagens trans e travestis. É um fenômeno complexo que acontece muito em narrativas audiovisuais. O termo faz referência a filmes como “A garota dinamarquesa“, que trouxeram grande visibilidade à questão trans, ao mesmo tempo em que causaram grande desconforto ao apresentar um homem cisgênero no papel da protagonista trans.
A prática remete ao blackface, quando atories branques se pintavam para simular a pele negra, muitas vezes para ridicularizar pessoas negras. A grande questão, em ambos os casos, é restringir o acesso de profissionais de grupos minorizados para protagonizar histórias que lhe dizem respeito. Além de tirar a oportunidade de pessoas trans, atores e atrizes cis podem reforçar estereótipos ao atuar segundo preceitos de uma subjetividade que lhes é alheia.
É comum o argumento de que pessoas trans não são qualificadas para atuar. Mas a verdade é que na maioria dos casos elas nem são cogitadas para os papéis.
Fala-se também da liberdade de expressão artística nas produções de ficção. Mas homens cis não atuam no lugar de mulheres cis. E vice-versa. Por que essa premissa não vale no caso de pessoas transvestigêneres?
Combater o transfake é combater a falta de representatividade, a invisibilização e a ausência de reconhecimento artístico de pessoas trans na TV, no teatro, no cinema.
Gênero: um diagnóstico ou uma identidade?
A discussão sobre a definição do gênero tem provocado polêmicas. Para muitas pessoas, a autodeclaração de gênero – cada indivíduo possui liberdade para definir e oficializar sua identidade de gênero – pode se tornar um problema. Parte da comunidade de especialistas acredita que a decisão precisa basear-se em evidências objetivas e não em “sentimentos”. Esses critérios seriam definidos por uma comunidade científica, sujeitando as pessoas interessadas em mudar sua condição de nascimento a processos de avaliação médica e psicológica. Um dos objetivos seria proteger espaços de acesso exclusivo (single-sex spaces), em especial no caso de mulheres.
Contudo, uma análise mais sensível evidencia muitas fragilidades no argumento. A ideia de mulheres trans causando danos a mulheres cis em situação de fragilidade em função de sua genitália ou do gênero de nascimento desconsidera outras variantes. Ignora o fato, por exemplo, de que mulheres trans estão ainda mais vulneráveis à violências de gênero e necessitam de acolhimento tanto quanto mulheres cisgêneras.
O reconhecimento da autodeclaração, que está em processo de aprovação em alguns países, como a Escócia, por exemplo, tem por objetivo alinhar o processo de atualização da certidão de nascimento com as melhores práticas em direitos humanos e respeito às identidades individuais. Isso não implica em criar ferramentas para que qualquer um possa reivindicar, temporária ou mal-intencionadamente, qualquer identidade que lhe agrade, para ter acesso a documentos, espaços ou oportunidades de forma indevida.
O intuito é garantir os direitos de quem vive os percalços da transgeneridade numa sociedade transfóbica. Pessoas trans devem ter liberdade para reivindicar o acesso legal aos benefícios que lhes cabem, sendo reconhecidas e podendo acessar serviços em acordo com suas próprias experiências subjetivas de gênero.
Transvitamina concentrada
Livros, filmes, séries, música, artes plásticas, conteúdos, vídeos. Tudo que você consome é feito por alguém com um ponto de vista. Se a grande maioria desses autores se parecem entre si, é muito provável que deixem de fora partes do mundo que podem te interessar e te ajudar a entendê-lo melhor. O seu perfil é uma espécie de café, onde você encontra essas pessoas. Faça dele um lugar mais diverso, com encontros surpreendentes e transformadores.
Segue uma uma curadoria especial e plural de pessoas trans que você precisa conhecer e seguir. Se você quiser mais, visite nosso Menu Diva no Instagram e tenha acesso a dicas de perfis, de livros, filmes, séries, artes etc. com uma diversidade de temas e comunidades. Ao seguir as dicas, você vai sentir uma imensa mudança no seu feed, encontrando nele opiniões plurais sobre os principais debates da atualidade.
- Erika Hilton
- Paul Preciado
- Alok Vaid-Menon
- Helena Vieira
- Leandrinha Du Art
- Angelica Ross
- Amanda Palha
- Bixarte
- Renata Carvalho
Desperte o seu ouvido
Qualquer mudança depende de um processo que envolve, necessariamente, a escuta. Ouvir é criar espaço para acolher novos horizontes e novas possibilidades. Não por acaso o silenciamento tem sido uma ferramenta muito utilizada no controle social. Como solidarizar-se com pautas emudecidas pela censura, pela ausência planejada, ou expostas através de narrativas estereotipadas, descoladas da experiência das comunidades a que se referem? Esse ciclo se quebra quando deixamos de aceitar, como indivíduos e como representantes de instituições e organizações, as violências que não nos afetam enquanto indivíduos. Mas que ferem profundamente os princípios fundamentais de respeito e convivência numa sociedade plural e democrática. Se quebra quando as causas deixam de ser delus, para serem nossas. O CIStema tenta silenciar vozes que transcendem sua percepção binária e simplista do mundo. Mas você não precisa obedecer. Você pode, simplesmente, ouvir.
Desperte o seu ouvido para a diversidade. Escuta mais a voz de pessoas trans. Use o poder ao seu alcance para incluir em responsabilidade. Não basta contratar pessoas trans. É preciso preparar os ambientes – corporativos ou institucionais – para acolher a diferença. Isso se faz com muita escuta. #vozestrans
Se você tem dúvidas e temas que gostaria que fossem abordados, deixe um comentário. E se você tem histórias e experiências que ajudem na compreensão desse debate, compartilhe com a gente.
Construir um mundo melhor é uma luta de todes.
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Break the bubble.
Diva. United by difference.
Marcelo Téo é co-fundador da Diva Inclusive Solutions, pesquisador, educador, produtor de conteúdo, músico e pai. Suas pesquisas dentro e fora do âmbito acadêmico estão voltadas para o consumo narrativo e o papel da diversidade de histórias no desenvolvimento da empatia.