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VISIBILIDADE TRANS: DESAFIOS E OPORTUNIDADES

VISIBILIDADE TRANS: DESAFIOS E OPORTUNIDADES

Por Marcelo Téo

TEMPO DE LEITURA: 8 MINUTOS

O mês da Visibilidade Trans é comemorado no dia 29 de janeiro. A data foi criada em 2004 pelo Ministério da Saúde após a divulgação da campanha “Travesti e Respeito”, que tinha como objetivo criar ações destinadas a desestigmatizar essa comunidade tão diversa e que sofre bastante com preconceito e violência. Pensando nisso, nós da Diva preparamos um combo de dicas e informações destinadas a facilitar a compreensão em torno das pautas e desafios colocados pela comunidade trans. Um mapa, um ponto de partida para você iniciar a sua  jornada de escuta e acolhimento das diferenças.

Abaixo o CIStema!

Vivemos num sistema baseado na cisgeneridade e na binariedade. Ou seja, um CIStema vigilante e repressor no que diz respeito ao gênero. Ao longo da história do Ocidente – que é diferente das práticas de muitos povos originários – pessoas cuja existência extrapolou as definições de gênero binárias foram queimadas, mortas, violentadas, encarceradas, excluídas, rejeitadas. Nas últimas décadas, a comunidade trans mostrou a sua força, tomando a frente em diversas conquistas dentro do universo LGBT+. E, no Brasil, apesar do atual governo federal, a causa trans vem ocupando espaços importantes. 

Você sabe o que é passabilidade?

Passabilidade é a capacidade de uma pessoa ser considerada membro de um grupo ou categoria identitária diferente da sua. Pode incluir identidade racial, etnia, classe, orientação sexual, gênero, religião, idade e/ou status de incapacidade. Pessoas negras de pele mais clara, pessoas com deficiências mais leves ou pessoas transgêneres que alcançam uma aparência mais afinada com os padrões binários tendem a sofrer menos preconceito.

Mas isso só reforça o poder na normatividade, que classifica quem, dentro das comunidades minorizadas, pode “passar por” branque, homem cis, mulher cis etc. 


A passabilidade para pessoas trans vai muitas vezes contra a própria essência do processo de transição de gênero, que pode estar fora da binariedade. A tragédia recente com Lorena Muniz, uma mulher trans que morreu ao ser abandonada no interior de uma clínica durante um incêndio, é, em certa medida, um fruto indireto desse problema. 

A mídia e o mercado tendem a preferir pessoas trans com passabilidade. É muito mais comum vermos pessoas transgêneras com passabilidade ocupando espaços no mercado e nas instituições. Isso impede que a sociedade perceba, pouco a pouco, que a beleza pode e deve transcender os modelos binários. 

Há beleza na ambiguidade, na androginia, na coragem de pessoas que não desistem de buscar e compreender suas identidades. Eduque seu olhar. Procure a beleza fora da bolha. 

Comunidade trans e o desequilíbrio de histórias

O desequilíbrio de histórias é um fenômeno de abrangência mundial, que afeta a todes. Consiste no excesso de narrativas representando e identificando positivamente uma parte da população (em geral, elite e classe média brancas e cisgêneras, com ênfase nos homens). Em contraste, outras parcelas sofrem com a ausência ou escassez de histórias (negros, indígenas, pessoas com deficiência, mulheres/mães, imigrantes, LGBT+ etc). O resultado é a distorção da imagem do outro, reforçando estereótipos e dificultando um olhar empático em direção aos problemas das populações que se encontram no polo negativo da equação. 

A população trans é profundamente afetada por esse problema. A dificuldade em ocupar espaços públicos, vagas corporativas e instituições se dá pela presença reduzida de pessoas trans protagonizando histórias, ocupando espaços de produção e criação de narrativas, estimulando percepções menos estereotipadas acerca da transgeneridade.

Transfake

Transfake é o termo usado quando atores cisgêneros interpretarem personagens trans e travestis. É um fenômeno complexo que acontece muito em narrativas audiovisuais. O termo faz referência a filmes como “A garota dinamarquesa“, que trouxeram grande visibilidade à questão trans, ao mesmo tempo em que causaram grande desconforto ao apresentar um homem cisgênero no papel da protagonista trans. 

A prática remete ao blackface, quando atories branques se pintavam para simular a pele negra, muitas vezes para ridicularizar pessoas negras. A grande questão, em ambos os casos, é restringir o acesso de profissionais de grupos minorizados para protagonizar histórias que lhe dizem respeito. Além de tirar a oportunidade de pessoas trans, atores e atrizes cis podem reforçar estereótipos ao atuar segundo preceitos de uma subjetividade que lhes é alheia. 


É comum o argumento de que pessoas trans não são qualificadas para atuar. Mas a verdade é que na maioria dos casos elas nem são cogitadas para os papéis.

Fala-se também da liberdade de expressão artística nas produções de ficção. Mas homens cis não atuam no lugar de mulheres cis. E vice-versa. Por que essa premissa não vale no caso de pessoas transvestigêneres?

Combater o transfake é combater a falta de representatividade, a invisibilização e a ausência de reconhecimento artístico de pessoas trans na TV, no teatro, no cinema.

Contar histórias sobre grupos minorizados sem priorizar a voz e o talento de pessoas que carregam em seus corpos e histórias tais experiências é uma forma de exclusão. E não se pode incluir excluindo.

Gênero: um diagnóstico ou uma identidade?

A discussão sobre a definição do gênero tem provocado polêmicas. Para muitas pessoas, a autodeclaração de gênero – cada indivíduo possui liberdade para definir e oficializar sua identidade de gênero – pode se tornar um problema. Parte da comunidade de especialistas acredita que a decisão precisa basear-se em evidências objetivas e não em “sentimentos”. Esses critérios seriam definidos por uma comunidade científica, sujeitando as pessoas interessadas em mudar sua condição de nascimento a processos de avaliação médica e psicológica. Um dos objetivos seria proteger espaços de acesso exclusivo (single-sex spaces), em especial no caso de mulheres. 

Contudo, uma análise mais sensível evidencia muitas fragilidades no argumento. A ideia de mulheres trans causando danos a mulheres cis em situação de fragilidade em função de sua genitália ou do gênero de nascimento desconsidera outras variantes. Ignora o fato, por exemplo, de que mulheres trans estão ainda mais vulneráveis à violências de gênero e necessitam de acolhimento tanto quanto mulheres cisgêneras.

O reconhecimento da autodeclaração, que está em processo de aprovação em alguns países, como a Escócia, por exemplo, tem por objetivo alinhar o processo de atualização da certidão de nascimento com as melhores práticas em direitos humanos e respeito às identidades individuais. Isso não implica em criar ferramentas para que qualquer um possa reivindicar, temporária ou mal-intencionadamente, qualquer identidade que lhe agrade, para ter acesso a documentos, espaços ou oportunidades de forma indevida. 

O intuito é garantir os direitos de quem vive os percalços da transgeneridade numa sociedade transfóbica. Pessoas trans devem ter liberdade para reivindicar o acesso legal aos benefícios que lhes cabem, sendo reconhecidas e podendo acessar serviços em acordo com suas próprias experiências subjetivas de gênero.

Transvitamina concentrada

Livros, filmes, séries, música, artes plásticas, conteúdos, vídeos. Tudo que você consome é feito por alguém com um ponto de vista. Se a grande maioria desses autores se parecem entre si, é muito provável que deixem de fora partes do mundo que podem te interessar e te ajudar a entendê-lo melhor. O seu perfil é uma espécie de café, onde você encontra essas pessoas. Faça dele um lugar mais diverso, com encontros surpreendentes e transformadores.

Segue uma uma curadoria especial e plural de pessoas trans que você precisa conhecer e seguir. Se você quiser mais, visite nosso Menu Diva no Instagram e tenha acesso a dicas de perfis, de livros, filmes, séries, artes etc. com uma diversidade de temas e comunidades. Ao seguir as dicas, você vai sentir uma imensa mudança no seu feed, encontrando nele opiniões plurais sobre os principais debates da atualidade. 

  1. Erika Hilton
  2. Paul Preciado
  3. Alok Vaid-Menon
  4. Helena Vieira
  5. Leandrinha Du Art
  6. Angelica Ross
  7. Amanda Palha
  8. Bixarte
  9. Renata Carvalho


Desperte o seu ouvido

Qualquer mudança depende de um processo que envolve, necessariamente, a escuta. Ouvir é criar espaço para acolher novos horizontes e novas possibilidades. Não por acaso o silenciamento tem sido uma ferramenta muito utilizada no controle social. Como solidarizar-se com pautas emudecidas pela censura, pela ausência planejada, ou expostas através de narrativas estereotipadas, descoladas da experiência das comunidades a que se referem? Esse ciclo se quebra quando deixamos de aceitar, como indivíduos e como representantes de instituições e organizações, as violências que não nos afetam enquanto indivíduos. Mas que ferem profundamente os princípios fundamentais de respeito e convivência numa sociedade plural e democrática. Se quebra quando as causas deixam de ser delus, para serem nossas. O CIStema tenta silenciar vozes que transcendem sua percepção binária e simplista do mundo. Mas você não precisa obedecer. Você pode, simplesmente, ouvir. 

Desperte o seu ouvido para a diversidade. Escuta mais a voz de pessoas trans. Use o poder ao seu alcance para incluir em responsabilidade. Não basta contratar pessoas trans. É preciso preparar os ambientes – corporativos ou institucionais – para acolher a diferença. Isso se faz com muita escuta. #vozestrans

Se você tem dúvidas e temas que gostaria que fossem abordados, deixe um comentário. E se você tem histórias e experiências que ajudem na compreensão desse debate, compartilhe com a gente

Construir um mundo melhor é uma luta de todes.


Break the bubble.
Diva. United by difference.

Marcelo Téo é co-fundador da Diva Inclusive Solutions, pesquisador, educador, produtor de conteúdo, músico e pai. Suas pesquisas dentro e fora do âmbito acadêmico estão voltadas para o consumo narrativo e o papel da diversidade de histórias no desenvolvimento da empatia.