Ativismo

AS RESPONSABILIDADES DE SER BRANQUE NUM PAÍS RACISTA

AS RESPONSABILIDADES DE SER BRANQUE NUM PAÍS RACISTA

Por Marcelo Téo

TEMPO DE LEITURA: 7 MINUTOS

Os debates sobre racismo têm ocupado cada vez mais espaço na mídia, nos programas de TV, nas redes sociais e até na publicidade. Tem muito material circulando por aí. O que não pode ser traduzido, infelizmente, em mudança de comportamento ou das estruturas. Por isso um debate sobre branquitude e seus privilégios faz-se necessário, para que identifiquemos as responsabilidades de ser branque num país racista como o Brasil.

É difícil acompanhar e, ainda mais difícil entender de verdade o que precisa mudar. Tem muita informação circulando, e isso pode te deixar confuse. Às vezes você pode até se sentir acuade, com medo de perguntar. Ou talvez achar que pessoas negras têm a obrigação de ensinar. Tudo isso ficou evidente na última edição do reality show de maior sucesso no Brasil, o Big Brother Brasil 2021. Quase metade des integrantes da casa eram negres (9 entre 20). Mas, para além da representatividade, o racismo e a branquitude correram soltos. A branquitude da emissora, da equipe responsável pelo programa, des participantes do reality, da audiência, que parecia mover-se em grandes ondas, batendo recordes de rejeição, semana após semana.

Homem negro esquelético sem camisa olhando para o céu com máscara sobre o queixo
Foto de Edu Cavalcanti – @educavalcantii


O ponto de partida para pessoas brancas, como eu, que não sofrem com o racismo, é enfrentar o desafio de reconhecer, verdadeiramente, seus privilégios. Resolvi escrever sobre o assunto, tentando criar um mapa, um roteiro para entender, mas sobretudo para iniciar um processo de mudança. Esse caminho tem que gerar desconforto, tem que levar a uma crise, de valores, existencial. Vamos elencar aqui alguns tópicos, algumas dicas, sugerir algumas fontes para você que sente que algo precisa mudar. Porque não dá mais para deixar para amanhã.

Branquitude

Você já ouvir falar de branquitude? O conceito se refere à identidade racial do branco. Ela produz um lugar de poder que garante à população branca um conjunto de privilégios sustentados pela desigualdade racial. 

Pessoas brancas não são só beneficiárias dessa estrutura racializada. Elas também produzem e sustentam essa estrutura, mesmo que de forma inconsciente, seja através da discriminação ou de discursos e ações que tentam apagar ou amenizar os efeitos históricos de uma sociedade de matriz escravocrata. 

O racismo e a discriminação são a explicação mais sólida para a desigualdade racial, pois constroem a subjetividade de sujeitos brancos e não brancos de forma diferenciada.

Essa estrutura perpassa toda a socialização e a constituição dos indivíduos nos espaços públicos e privados. Supervaloriza, assim, a branquitude, restringindo o acesso das pessoas não brancas a oportunidades que, em tese, deveriam ser distribuídas a toda a população, independentemente da sua cor de pele ou etnia. O desafio da população branca no combate ao racismo é alcançar uma consciência dos privilégios advindos da branquitude, desconstruindo o racismo inerente à sua existência, às suas ações cotidianas e à sua ocupação dos espaços.

Ser condescendente, fechar os olhos para a desigualdade, acreditar que a causa da pobreza entre populações negras é a sua natureza e não o racismo estrutural, defender a meritocracia numa sociedade que oferece oportunidades desiguais, ignorar a ausência de pessoas negras em espaços que você frequenta à exceção de postos de trabalho subalternizados. Estes são alguns exemplos que nos colocam nesse lugar de reprodutores do sistema racista, que nos permitem usufruir das benécies da branquitude. Questionar seus privilégios enquanto pessoa branca não significa afogar-se em culpa ou abrir mão de seus bens. Significa fazer-se presente no mundo, estar ciente das estruturas racializadas e posicionar-se contra o racismo. Fazer-se presente é também procurar saber, ler, ouvir, sentir a dor des outres e não aceitar as violência de um sistema, ainda que elas não lhe atinjam diretamente.

O silêncio ajuda a perpetuar o racismo. Mas a busca por informação, uma postura ativa diante de manifestações racistas e a consciência crítica dos privilégios da branquitude são ações fundamentais para romper esse silêncio.

A desigualdade racial

Aprender a identificar as mazelas da desigualdade racial no nosso cotidiano, reconhecendo privilégios, e tomar coragem para questionar essa estrutura, exigindo espaços mais representativos, protagonizados também por negros e indígenas, são passos fundamentais para pessoas brancas interessadas na construção de uma sociedade mais justa. 

fundo vermelho com dados sobre a população negra e branca no brasil, ilustrando as responsabilidades de ser branque num país racista

Não vivemos numa democracia racial. Tal ideia isenta a população branca do preconceito e sugere a existência de uma igualdade de oportunidades.

Você acha que as oportunidades são iguais para todos? Mais de 70% da população pobre é negra. Afrodescendentes são mais da metade da população. Mas as chances de serem analfabetos é cinco vezes maior que a de pessoas brancas. Outros dados comparativos compilados por agências confiáveis estão disponíveis e podem te ajudar debater o tema com seus amigos e familiares. Mas lembre-se: números devem sempre estar em boa companhia. Eles podem ser parte de um argumento bem construído, mas isso depende de você viver experiências que te habilitem a sentir no coração o peso da desigualdade racial.

Fundo vermelho com dados sobre a população carcerária no Brasil, com maioria negra, ilustrando as responsabilidades de ser branque num país racista


Reparação histórica

Colocamos, muitas vezes, a responsabilidade da desigualdade nos indivíduos, como se fosse possível explicarmos a reduzida presença de negros nas universidades, por exemplo, em função da cor da pele. Tal argumento reforça uma estrutura de privilégios que cega o olhar dos brancos para a exclusão sistemática dos negros e também dos indígenas, entre outres. 

Quando se fala em reparação histórica por conta da escravidão, não estamos advogando uma herança distribuída de forma aleatória a todos os negros que, de alguma forma, estão aparentados com escravos. Reparação histórica é uma forma de combater um sistema de opressão que nasce com a escravidão e, desde então, vem negando oportunidades a grupos pela sua cor da pele/etnia e distribuindo privilégios, na outra ponta, à população branca.

Fundo vermelho com dados sobre homicídios no Brasil, com maioria negra mais afetada, ilustrando as responsabilidades de ser branque num país racista


Entender que no presente estão vivas as mazelas do passado e que precisamos reparar algumas delas para evoluir enquanto sociedade é parte essencial de uma consciência cidadã. Só assim será possível pensar num caminho comum, harmônico e acolhedor para todos nós, com menos ódio, menos polarização, e mais respeito.

Racismo reverso

O racismo reverso não existe. E não existe por vários motivos. Um deles diz respeito ao fato de brancos não serem prejudicados pelo filtro racial que afeta negros, indígenas e outres. Pessoas brancas não são marginalizadas pela cor da pele, não perdem oportunidades de emprego, não costumam ser assassinadas pela polícia por engano, entre diversas outras situações que permeiam o cotidiano de pessoas negras. 


Outra questão importante para ajudar a combater o argumento equivocado do racismo reverso diz respeito ao fato de que as populações negras ou indígenas não possuem o poder político, econômico e institucional desfrutado pelos brancos, herdeiros dos privilégios da colonização. Brancos ocupam posições de poder na maioria absoluta das organizações públicas e privadas e são beneficiados pelo discurso do individualismo e da meritocracia, ambos conceitos que mascaram a diferença de oportunidades em relação a negros e indígenas. Por isso a luta por representatividade é tão importante. 

A hegemonia das narrativas coloniais brancas levanta um outro ponto fundamental para a desconstrução do mito do racismo reverso: o desequilíbrio de histórias. Os brancos são representados exaustivamente como uma espécie de identidade da norma, ao passo que outras identidades são sub-representadas, estereotipadas, silenciadas. E o silêncio destas vozes depende não apenas da fala dos negros, dos indígenas e de outras minorias. Depende sobretudo da escuta, do despertar do ouvido, caminho que leva à empatia e a uma compreensão verdadeira dos males que o racismo tem causado à nossa sociedade.

O despertar do ouvido

Ouvir é um dos caminhos para a luta anti-racista. Mas essa escuta depende da nossa ação, do nosso rompimento com a zona de conforto criada pelas narrativas hegemônicas. Ouça mais. Procure saber através da voz de quem sofre.

O compromisso é de quem precisa aprender, e não de quem já sofre com a violência, a falta de oportunidades e com a exclusão no cotidiano.

Falar da dor des outres sem conhecê-la em profundidade potencializa o efeito das estruturas da desigualdade. E para que isso não aconteça, é preciso ouvir. Crie na sua rotina diária espaços de escuta, assistindo filmes, séries, lendo livros e reportagens, acrescentando no seu feed das redes sociais pessoas negras que possam estimular sua escuta e te ajudar a ser uma aliade, uma pessoa que, apesar de desfrutar dos privilégios inerentes à estrutura que nos rege, sabe como lutar pela sua mudança.

Criança negra com uniforme escolar segurando um cartaz feito à mão que diz: "Respeito". No fundo um céu azul.
Foto de Edu Cavalcanti – @educavalcantii

Menu Diva

Você pode visitar nosso Menu Diva, no Instagram, e buscar dicas de conteúdos essenciais para se sintonizar com as pautas anti-racistas. Lá você vai encontrar dicas de livros, artes, filmes, séries, música e de perfis para seguir. Além da temporada Vidas Negras, você vai encontrar materiais semelhantes referentes a outros grupos minorizados, bem como sobre outras questões importantes ligadas à diversidade, à equidade e à inclusão. 


Break the bubble.
Diva. United by difference.

Marcelo Téo é co-fundador da Diva Inclusive Solutions, pesquisador, educador, produtor de conteúdo, músico e pai. Suas pesquisas dentro e fora do âmbito acadêmico estão voltadas para o consumo narrativo e o papel da diversidade de histórias no desenvolvimento da empatia.