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MEU ÓCIO ME ALIMENTA: OS 3D’s DO ENTRETENIMENTO

MEU ÓCIO ME ALIMENTA: OS 3D’s DO ENTRETENIMENTO

Por Marcelo Téo

TEMPO DE LEITURA: 8 MINUTOS

O lazer e o ócio são uma espécie de santuário em nossa sociedade. Nossos momentos ao final do dia ou da semana são combustível para suportar maratonas e tensões no trabalho e na vida doméstica. Ansiamos por eles. Costuma-se pensar o lazer como um contraponto à vida profissional, como um momento de não-trabalho. Mas eles costumam ser muito mais do que isso. Através deles abastecemos nossas energias, cuidamos de si (do corpo e do espírito), nos divertimos e, de alguma forma, encorpamos nossa essência com novos saberes. No artigo de hoje vamos falar o papel do lazer no processo de desenvolvimento pessoal.

Uma bolha de sabão colorida cobre o rosto de uma criança. Imagem que ilustra o papel do lazer no processo de desenvolvimento pessoal.
Foto de Thinh Nguyen

O ócio nos faz bem, nos alimenta. Não precisa ser só preguiça. Pode ser fome. Pode ser alimento.

Mas a questão é: como aproveitar os momentos de lazer para crescer sem que soem como mais trabalho, mais obrigação? Qual o papel do lazer no processo de desenvolvimento pessoal?

Este é um problema que tem ocupado muito espaço de reflexão em meus momentos de ócio. Me dedico profissionalmente a encontrar soluções para a falta de diversidade e o desequilíbrio de histórias em nossa sociedade. E acredito que o lazer é, senão a principal, uma das principais portas de entrada da pluralidade em nossas vidas, especialmente no mundo contemporâneo, quando o consumo de histórias se tornou parte importante do nosso tempo de lazer. Creio também que a diversidade é um santo remédio. É um super alimento para a mente, para o corpo, para o espírito.   

Falo das minhas preocupações para não parecer que estou oferecendo uma fórmula que vale para todos. Estou compartilhando uma experiência que pode ser útil a outras pessoas. E partindo dessa equação, minhas reflexões me levaram a alguns tópicos que ajudam a encontrar um caminho para fundir, via lazer, leveza e aprendizado contínuo. 

1. Entenda as funções

1. É muito importante que tenhamos em mente as múltiplas funções do ócio e do lazer. Nosso tempo “livre” não pode estar todo dedicado à um processo de crescimento contínuo. Todo alimento precisa ser digerido. Assim como esperamos que uma criança gaste energia se divertindo para sentir fome, ou que durma para crescer, devemos proporcionar a nós mesmos momentos de diversão que nos inspirem, e períodos de descanso que nos fortaleçam. É essencial que cada um tenha consciência das atividades de lazer que satisfazem seus interesses e suas necessidades. Afinal, somos todos diversos.  É necessário, também, que em nosso tempo disponível realizemos atividades que cubram todas essas funções – os 3D’s do entretenimento: descanso, divertimento, desenvolvimento – para que nos sintamos energizados, leves e estimulados.  

Estes são, acredito, os primeiros passos para um ócio mais equilibrado: saber o que nos alimenta e conhecer as funções que cada atividade exerce em nossas vidas, buscando alternar seus efeitos. 

2. Classifique suas prioridades

Toda atividade de lazer precisa cumprir todas essas funções ao mesmo tempo, mas em diferentes proporções. Escolhemos nossas atividades segundo interesses específicos, que podem ser físicos, artísticos, intelectuais, sociais etc. Quem procura atividades por interesse físico, tem como motivação principal melhorar a saúde e, em alguns casos, a aparência estética.  Muitas vezes sofremos com dúvidas como fazer ou não academia, correr ou não uma maratona, frequentar ou não uma aula de dança. Como descobrir quais são reais prioridades? 

Um caminho possível é nos perguntarmos, primeiro, a que serve cada atividade. Praticar um esporte, ver um filme, ler um livro, encontrar um grupo de amigos… Nos diverte? Ou é um descanso mental através do engajamento corporal? Ou, ainda, um desafio que provoca o crescimento? Em caso positivo, vale ainda investigar se as outras duas dimensões são contempladas, mesmo que em menor grau. “Esta série, que escolhi ver porque me diverte, permite que eu relaxe e, ao mesmo tempo, aprenda algo novo? Ou apenas traz conforto me enquadrando em uma bolha de semelhança, sem diversidade, sem novidade? 

Se uma determinada atividade não me oferece pluralidade de saberes para que eu seja estimulado, nem me permite descansar, ainda que seja divertida, talvez não represente um ponto de equilíbrio em minha rotina.

 Ou seja, pode estar me ajudando de forma muito pontual, mas também atrapalhando de forma contundente. É claro que esse tipo de reflexão não deve funcionar como impeditivo para ações espontâneas do cotidiano. Mas pode ser um balizador para atividades de lazer repetidas em nossa rotina.  

Criança aborígene com uma lança na mão num prado verde com uma árvore ao fundo.
Foto de Edu Cavalcanti – @educavalcantii

3. Agencie o seu tempo livre

O terceiro ponto diz respeito a um estado de awareness sobre nossas práticas cotidianas. É fundamental que rompamos com o estado de passividade que muitas vezes guia nosso lazer. É mais fácil ser levados do que conduzir. O exemplo mais relevante, porque inclui uma parcela grande da população, é o entretenimento audiovisual. Passamos boa parte de nosso tempo livre vendo filmes, séries, utilizando serviços de video on demand que entregam um pacote completo: curadoria individualizada, volume de conteúdos, disponibilidade 24/7, conteúdos seriados, conteúdos focados em nichos diversos etc.

Plataformas como Netflix, Amazon Prime Video, HBO, NOW, GloboPlay, entre outras têm abocanhado uma parte significativa do nosso tempo incentivando nossa passividade, exigindo o mínimo esforço possível por parte dos espectadores.  Essa passividade se manifesta em duas frentes. No olhar e na escolha das histórias que decidimos consumir. O estilo hollywood de cinema, com cortes fluidos e velozes, coloca nossos olhos na posição de seguidores.

Quando nos deparamos com imagens estáticas, numa exposição ou num filme mais lento, com cortes longos e com pouco movimento de cena, automaticamente sentimos uma estranheza. Os olhos procuram o movimento e, nessa busca, tornam-se ativos, trilhando caminhos autônomos. Esse exercício ajuda a perceber o cinema tradicional a partir de um olhar mais ativo, que consegue reconhecer – e não apenas aceitar – as paisagens (sonoras, culturais, geográficas, étnicas etc.) apresentadas em cada história que decidimos consumir. Ver com olhos ativos é o caminho para perceber mais, entender mais, aprender mais. 

No que diz respeito às nossas escolhas, não é mais novidade, em tempos de web 3.0, que a ação de algoritmos tem prejudicado a entrada de histórias mais diversas em nosso menu.

Recebemos, através da curadoria involuntária de conteúdos, sugestões que repetem nossos padrões, afim de provocar identificação imediata e, com isso, atestar a efetividade das ferramentas em números. Aceitarmos essas recomendações de forma involuntária, sem avaliar em que medida elas cumprem as funções mais básicas do ócio pode, muitas vezes, reduzir as probabilidades de um consumo de histórias diverso em nosso cotidiano. Sem diversidade, não há expansão da nossa capacidade empática, que é o motor da nossa criatividade.

Entretenimento de imersão

Estar ativo significa, enfim, refletir sobre o que consumimos. Romper com a passividade, do olhar, das ofertas. Implica em receber o mundo de forma crítica e avaliativa. Como consequência, faremos novas escolhas, agora na condição de agentes.  

Muita gente já está surfando nessa onda, praticando no lazer momentos de transformação positiva, de si e do mundo.  A presença recente de causas da diversidade na publicidade e no cinema é, em grande medida, fruto de demandas sociais realizadas por comunidades que, ao agenciarem seus desejos, alteram a oferta, exigindo por novas histórias, mais diversas e inclusivas. 

O efeito dessa consciência é imenso. Pois mais do que melhorar nosso aproveitamento das horas de ócio, ajuda a transformar a realidade ao redor com novas demandas e com uma nova percepção da realidade, que implica em novas ações, novas interações.  

Chamo de “entretenimento de imersão”, ao final, esse conjunto de práticas de lazer que nos ajudam a mergulhar dentro e fora de nós mesmos.  Nossas escolhas precisam ser pautadas por necessidades individuais. Essas necessidades pessoais precisam ser percebidas a partir da ótica da diversidade e da empatia

É prioritária a presença de pessoas, práticas, histórias, culturas, paisagens diversas em nossos momentos de lazer. Nosso tempo de ócio precisa, ainda, cumprir minimamente alguns cuidados importantes, como vimos acima – os 3 D’s: Divertimento, Descanso e Desenvolvimento. 

Quatro mulheres diversas riem juntas em frente a uma parede cinza claro.
Foto de Gemma Chua-Tran

Sair de si e mergulhar na multidão. Outrospecção. O seu tempo de lazer pode ser sim um canal poderoso para o seu desenvolvimento criativo. E isso sem necessariamente afetar suas necessidades de entretenimento e descanso. Para tanto, é preciso acionar esse estado ativo e curioso da atenção, focado na busca por diversidade. Esse processo de avaliação, de escolha consciente, aos poucos torna-se automático, sendo incorporado às nossas ferramentas de interpretação da realidade.  

Questões como “Por que esta série, que trata de um assunto tão universal, não apresenta personagens negros ou gays ou transexuais?”, ou “Será que o fato de todos os diretores dos filmes que estou assistindo serem homens, brancos e heterossexuais não afeta meu olhar?”, tornam-se corriqueiras.

A consequência é uma ampliação da capacidade criativa, amplificando nossa efetividade na resolução de problemas complexos, tanto pessoais quanto profissionais, pelo simples fato de aumentarmos nosso repertório de soluções e nossa habilidade para compreender via consumo de novas histórias. 

Descansar, sorrir e aprender, tudo ao mesmo agora. Isso é possível. E mais: é necessário. É uma forma sutil de mudar as estruturas da desigualdade, exigindo mais diversidade nas práticas sociais, nas histórias, na ocupação dos espaços de lazer. 

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Diva. United by difference.


Marcelo Téo é co-fundador da Diva Inclusive Solutions, pesquisador, educador, produtor de conteúdo, músico e pai. Suas pesquisas dentro e fora do âmbito acadêmico estão voltadas para o consumo narrativo e o papel da diversidade de histórias no desenvolvimento da empatia.